Realizada desde 1999, a Semana Nacional Antidrogas (19 a 26 de junho) tem o objetivo de sensibilizar e mobilizar a sociedade em relação ao alto índice de consumo de drogas lícitas e ilícitas. A causa é relevante, já que pesquisas apontam que no Brasil uma a cada cem mortes entre adultos é causada pelo uso de drogas ilícitas.
As ações de repressão à produção e ao tráfico de drogas exigem uma mobilização de forças para investigar, processar e julgar essas condutas criminosas com o rigor da lei.
Responsável por uniformizar a interpretação nacional da lei federal e solucionar conflitos de natureza infraconstitucional, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) contribuiu efetivamente no combate ao narcotráfico com suas decisões e entendimentos, solidificando jurisprudência acerca da Lei 11.343/2006, conhecida como a Lei de Drogas.
São milhares de acórdãos envolvendo a incidência da majorante (circunstância que aumenta a pena) no tráfico interestadual de drogas; a natureza e a quantidade de droga na dosimetria da pena; o princípio da insignificância na Lei de Drogas; a necessidade de laudo toxicológico para a comprovação do crime e a posse de drogas para consumo próprio, entre outros julgados.
Base da lei
A Lei 11.343/2006 distingue usuários, dependentes e traficantes. Os primeiros são vistos como indivíduos que precisam de proteção e integração à sociedade. Para eles, a lei estabelece atividades de prevenção e reinserção social, assim como penas mais leves, que não incluem a prisão.
Já no artigo 40, a Lei de Drogas prevê que as penas para tráfico de drogas serão aumentadas de um sexto a dois terços quando se tratar de tráfico internacional ou interestadual; for praticado com uso de violência; ou envolver ou visar a atingir criança ou adolescente, entre outras hipóteses.
O inciso III do artigo 40, por exemplo, também prevê esse aumento quando “a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos”.
Tráfico interestadual
Reiterados julgados do Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmaram o entendimento de que para a caracterização da majorante da interestadualidade no crime de tráfico de drogas, não é necessária a efetiva transposição das fronteiras pelo agente, sendo suficiente a comprovação de que o entorpecente seria entregue ou disseminado em outro estado.
Ou seja, se ficar comprovado que a droga apreendida em determinado estado seria transportada para outro, ainda que o entorpecente não tenha chegado à localidade final, a circunstância pode ser aplicada para aumentar a pena prevista.
A incidência da causa de aumento pode ser aplicada com base na própria confissão do paciente, mesmo que não tenha havido a efetiva transposição de fronteiras.
Natureza e quantidade
O artigo 33, parágrafo 4º, da Lei 11.343/2006 dispõe que os condenados por tráfico de drogas terão a pena reduzida, de um sexto a dois terços, quando forem reconhecidamente primários, possuírem bons antecedentes e não se dedicarem a atividades criminosas nem integrarem organização criminosa.
Entretanto, o STJ possui firme entendimento no sentido de que a natureza e a quantidade de droga apreendida podem impedir a aplicação do redutor e até interferir na escolha do regime mais gravoso de cumprimento de pena, caso fique evidenciada a dedicação do agente ao tráfico de entorpecentes.
Em vários julgados, o STJ ratificou decisões de tribunais estaduais que afastaram o redutor do artigo 33 por entender que o condenado se dedicava ao tráfico ilícito de entorpecentes, não só pela quantidade e pela natureza da droga apreendida, mas também pelas circunstâncias fáticas do caso concreto.
Em diversas situações, mesmo reconhecendo a condição de primariedade do réu, o tribunal confirmou o cumprimento da pena em regime fechado em função da natureza, diversidade e quantidade de droga apreendida.
Princípio da insignificância
Outro entendimento já firmado pela corte dispõe que não se aplica o princípio da insignificância nos casos de crime de posse de entorpecente para uso próprio, uma vez que o bem jurídico protegido é a saúde pública e, tratando-se de delito de perigo abstrato, a quantidade de droga apreendida é irrelevante.
“Consolidou-se neste Superior Tribunal o entendimento de que não se aplica o princípio da insignificância aos delitos de tráfico de drogas e uso de substância entorpecente, pois trata-se de crimes de perigo abstrato ou presumido, sendo irrelevante para esse específico fim a quantidade de droga apreendida”.
“O reconhecimento da atipicidade da conduta delitiva com fundamento no princípio da insignificância não é admissível em relação ao crime de tráfico ilícito de drogas, pois trata-se de crime de perigo abstrato, no qual os objetos jurídicos tutelados são a segurança pública e a paz social, sendo irrelevante a quantidade da droga apreendida”.
Essas duas conclusões estão grafadas em inúmeros acórdãos proferidos pelas turmas de direito penal.
Laudo toxicológico
Sobre a necessidade ou não de laudo toxicológico para comprovar a materialidade do crime de tráfico de drogas, o STJ vem entendendo que a realização da perícia é indispensável, já que “A constatação da aptidão da substância entorpecente para produzir dependência, ou seja, para viciar alguém, só é possível mediante perícia, já que tal verificação depende de conhecimentos técnicos específicos”.
A corte entende que o artigo 50, § 1º, da Lei de Drogas não admite a prisão em flagrante e o recebimento da denúncia sem que seja demonstrada, ao menos em juízo inicial, a materialidade da conduta por meio de laudo de constatação preliminar da substância entorpecente, que configura condição de procedibilidade para a apuração do ilícito de tráfico.
Com base nesse entendimento, o STJ inocentou um acusado de fornecer drogas a um grupo de adolescentes: “Verifica-se que nenhuma droga foi encontrada em poder do acusado ou das menores que com ele se encontravam, e, por conseguinte, não foi efetivada qualquer perícia que ateste que ele teria fornecido às adolescentes substâncias entorpecentes”.
O tribunal concluiu que essa circunstância impede que o acusado seja incriminado pelo ilícito tipificado no artigo 33 da Lei 11.343/2006, já que ausente a comprovação da materialidade delitiva.
Descriminalização
O Superior Tribunal de Justiça também consolidou jurisprudência no sentido de que a Lei de Drogas não promoveu a descriminalização, mas apenas a despenalização da conduta de porte de drogas para consumo próprio mediante a aplicação de penas de advertência sobre os efeitos das drogas; prestação de serviços à comunidade ou medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
Entretanto, em caso de nova prática dessa mesma conduta, é possível autorizar a majoração da pena pela incidência da agravante da reincidência.
“Esta Corte Superior de Justiça tem entendido que a reincidência, bem como a quantidade e a natureza da droga são motivos idôneos para o indeferimento do regime prisional mais brando e da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos”, prevê julgado do STJ debatendo essa circunstância.
MC
Source: STJ