Guerras, perseguições e conflitos ao redor do mundo fazem com que um número crescente de pessoas busque refúgio em outros países, e o Brasil é parte desse cenário. De acordo com a Agência da ONU para Refugiados (Acnur), as solicitações de refúgio no Brasil aumentaram mais de 2.800% entre 2010 e 2015. Um balanço com dados colhidos até abril deste ano pelo Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) revelou que o país tem quase 9 mil refugiados provenientes de 79 nacionalidades.
Para discutir esse tema, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), o Conselho da Justiça Federal (CJF) e a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), em parceria com a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Associação dos Juízes Federais (Ajufe), promovem na próxima quarta-feira (30) o seminário Refugiados e migrantes: responsabilidades compartilhadas.
Nesta entrevista, o coordenador científico do evento, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, fala sobre o seminário e sobre a questão dos refugiados e migrantes, que considera “o grande problema do século XXI”.
Como surgiu a ideia de organizar um seminário para discutir este assunto?
Sanseverino – A ideia surgiu em função de uma palestra que fiz em Portugal, no mês de julho, que abordava o tema refugiados no direito brasileiro. Ao fazer uma pesquisa, descobri algumas questões bem interessantes. A primeira delas é que nós temos uma legislação muito avançada em matéria de refugiados, uma das mais avançadas do mundo. Temos ainda vários órgãos da administração pública, assim como várias entidades privadas que fazem excelente trabalho com os refugiados.
Pode citar alguns desses órgãos?
Sanseverino – Vinculado ao Ministério da Justiça temos o Conare, que é o Comitê Nacional para os Refugiados, órgão que aprecia os pedidos de refúgio no Brasil. Além disso, temos aqui em Brasília uma agência do Acnur, que é o Alto Comissariado da ONU para refugiados, vinculada à ONU e cuidando das questões ligadas aos refugiados no mundo inteiro.
Como podemos relacionar o tema a ser debatido com os desafios enfrentados pela Justiça do Brasil?
Sanseverino – Quem aprecia os pedidos de refúgio é o Conare, vinculado ao Ministério da Justiça. Os casos em que são negados os pedidos chegam com frequência ao Judiciário. Existem vários precedentes muito importantes do STJ e do STF a respeito do refúgio. O mais importante deles é o caso Cesare Battisti, em que houve uma apreciação incidental da questão do refúgio no STF. Outro caso importante foi o do padre Medina. Ao STJ têm chegado também mandados de segurança e recursos especiais de pessoas que tiveram o refúgio negado.
Como a situação dos refugiados têm impactado nosso país?
Sanseverino – Além de ter uma das legislações mais avançadas em matéria de refúgio, o Brasil adota algumas medidas muito criativas para concessão do refúgio. Por exemplo, para pedir a condição de refugiado, a pessoa precisa entrar em território brasileiro. Assim, no caso dos sírios, que vivem em campos de refugiados no Oriente Médio, o Brasil concede um visto humanitário para que a pessoa consiga se deslocar de avião até São Paulo (Guarulhos), iniciando então todo o procedimento para concessão do refúgio.
O que diferencia um migrante de um refugiado?
Sanseverino – Essa é uma questão muito importante, bastando lembrar a questão dos haitianos. As pessoas que chegam do Haiti, a rigor, não se enquadram na condição de refugiados, pois o conceito de refúgio é restrito aos casos de perseguição política, religiosa, racial etc. E a motivação da migração dos haitianos foi o terremoto, um problema que não se enquadra nos casos de perseguição ou de violação dos direitos humanos. Com isso, os pedidos de refúgio das pessoas do Haiti acabam, na maior parte dos casos, sendo negados.
O que permite essa diferenciação?
Sanseverino – Na verdade, nós temos um defasagem na nossa legislação. Temos uma legislação de refúgio muito avançada, em contrapartida, nós temos uma lei de imigração de 1980, defasada para os tempos atuais. Existe um projeto de lei em tramitação no Congresso Nacional, que procura fazer exatamente essa atualização.
Qual é o objetivo do evento?
Sanseverino – Um dos objetivos do nosso evento é chamar atenção exatamente para essa distorção que existe entre a situação do migrante tradicional e do refugiado propriamente dito. Para isso, contamos com a colaboração do presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, João Ricardo dos Santos Costa, do presidente da Associação dos Juízes Federais, Roberto Carvalho Veloso, e também do ex-secretário Nacional de Justiça, Beto Vasconcelos, que nos ajudaram a montar a estrutura do seminário.
Source: STJ