Durante o painel que abriu os trabalhos vespertinos do seminário Refugiados e migrantes: responsabilidades compartilhadas, moderado pelo ministro Marco Buzzi, o ex-diretor do Departamento de Estrangeiros da Secretaria Nacional de Justiça João Guilherme da Silva lembrou que apenas 0,5% da população brasileira atual é formada por pessoas advindas de processos migratórios, o que representa um dos menores percentuais do mundo. No início do século XX, por exemplo, a proporção era de aproximadamente 15%.
Para o ex-diretor, que é doutorando pela Universidade de Brasília, o baixo percentual de migrantes no país reflete a legislação vigente sobre a migração, como a Lei 6.815/80, instituída no regime militar e que criou “uma série de vedações que dificultam a prática profissional, o exercício de liberdades e garantias”. Segundo ele, essas vedações, “nos últimos anos, se mostraram uma barreira de difícil superação para o acesso à Justiça”.
João Guilherme ressaltou que o novo marco regulatório para o tema, debatido na Câmara dos Deputados por meio do PL 2516/15, tem sido construído com o objetivo de permitir o acesso do migrante a instituições e serviços públicos no Brasil, eliminando oposições entre nacionais e estrangeiros. “O processo de formação social brasileira não está concluído, e faz parte dessa vivência social aceitar e incluir de forma eficaz, transparente e sustentável as pessoas migrantes que escolham viver no Brasil”, defendeu.
Esfera criminal
Segundo a defensora pública da União Ana Luisa Zago, o PL 2516 traz uma série de disposições que garantem a não criminalização das migrações. Uma das garantias previstas diz respeito à liberdade e ao devido processo legal nos procedimentos de retirada compulsória dos migrantes.
A nova Lei de Migrações também retira o caráter perpétuo da medida de expulsão de estrangeiro, modificação considerada benéfica pela defensora. “Atualmente, a expulsão tem um efeito muito mais nefasto para o imigrante do que o próprio processo penal brasileiro”, afirmou. De acordo com a nova lei, também devem ser respeitados princípios como a proporcionalidade e a correlação entre a expulsão e o cometimento de crimes.
Normas internacionais
O professor André Ramos, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, apresentou as principais normas de direitos humanos relacionadas aos movimentos migratórios, como a Convenção Internacional sobre os Direitos dos Trabalhadores Migrantes e Suas Famílias, que possui a adesão atual de apenas 49 Estados, entre eles o Brasil.
Mesmo entre os países signatários de acordos internacionais, Ramos apontou o perigo de uma espécie de “truque de ilusionista” no qual estados nacionais descumprem tratados sobre direitos humanos, mas afirmam que os estão seguindo normalmente.
“Para evitar esse tipo de situação, os países participam de processos internacionais nos quais um terceiro imparcial irá avaliar suas condutas”, apontou. Um dos exemplos é a Corte Interamericana de Direitos Humanos, reconhecida pelo Brasil desde 1998 como jurisdição contenciosa.
O professor da USP também ressaltou o perigo de uma espécie de “interpretação nacionalista” das normas internacionais de direitos humanos, que prejudicaria a garantia de direitos às pessoas em movimentos de refugiados e migrantes. “De nada adiantaria ratificar um tratado e depois interpretá-lo de acordo com a própria ótica. Isso não é internacionalização”, concluiu o professor.
Source: STJ